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Vale a pena intensificar a recria?

Vale a pena intensificar a recria?

A criação de um modelo de engorda mais eficiente passa necessariamente pelo encurtamento do período de recria. Investimentos na recria, algo antes impensável na pecuária tradicional, tem se tornado uma realidade e, principalmente, trazido bons resultados financeiros. Abaixo listamos alguns fatores que irão colaborar para esse processo no curto/médio prazo:

  • O aumento da demanda de animais jovens para a engorda intensiva, seja a pasto ou confinada;
  • a necessidade de atender as exigências da indústria, cada vez mais voltada à exportação, e que exige um animal jovem de até 30 meses;
  • a diminuição das margens do produtor, que precisará focar em retorno por área/ano e não mais por animal abatido;
  • o crescimento da integração lavoura-pecuária, que aumentará a oferta de grãos para suplementação e a recuperação de áreas degradadas de pastagem, além de disponibilizar “pasto de inverno”, em quantidade e qualidade, ou seja, no momento de transição águas – seca, permitindo a recria de animais recém desmamados.

Dentro do sistema de produção brasileiro atual, a recria corresponde ao período mais longo e mais variável com relação ao uso de tecnologias, e apesar de ser uma fase em que o animal converte de forma eficiente nutrientes da dieta em carcaça,  é justamente no pós-desmame que se encontra o principal desafio do gado: superar a primeira seca e as consequências que ela traz para a disponibilidade e qualidade dos pastos. No entanto, diversos projetos pecuários têm conquistado resultados positivos na recria com a implementação de estratégias nutricionais e de manejo, acelerando a recria do gado e aumentando o retorno financeiro. Nesse artigo vamos abordar alguns fatores que devem ser considerados durante a intensificação da recria, principalmente no contexto do período seco, entre outras sugestões para os produtores que desejam seguir esse caminho.

Animais jovens são mais eficientes

O período seco do ano é desafiador para o pecuarista e o planejamento antecipado do que será ofertado para o gado durante esse período é fundamental para o sucesso da operação. Considerando o período da estação de monta no Brasil, que ocorre majoritariamente entre Novembro e Março, os bezerros são desmamados entre 7-8 meses de idade no final das águas do ano seguinte, e entrando na recria bem no início do período seco do ano, conforme o esquema apresentado na Figura 1 abaixo.

Figura 1 – Esquema ilustrativo do período de estação de monta, nascimento e desmame predominante no Brasil. O principal desafio da recria ocorre no pós-desmame, ou seja, durante o período seco do ano.

 

No pós-desmame os animais estarão fisiologicamente em crescimento de estrutura corporal, ou seja, ainda não alcançaram a maturidade. Comparativamente, a conversão de alimento em ganho de carcaça em animais jovens e leves é melhor que animais adultos e mais pesados e, portanto, o investimento em nutrição nessa fase tende a render bons resultados. Isso se deve ao fato de que animais mais erados e pesados tendem a depositar mais gordura, um componente da carcaça que demanda mais energia. Além disso, um melhor ganho de carcaça durante a recria maximiza o ganho ao longo do ciclo de produção, pois animais sem limitação de nutrientes na recria tendem a ganhar mais carcaça durante a engorda. Esse tópico inclusive ainda gera muita confusão no campo. Muitas vezes, o ganho compensatório durante a engorda, comum em animais que sofreram com alguma restrição de alimentos durante a recria, é ainda comemorado em alguns locais. Sabe-se que o ganho compensatório é resultado também do crescimento e desenvolvimento de órgãos envolvidos no processo digestivo dos animais, conhecidos como componentes não-carcaça e, portanto, não geram resultado financeiro ao produtor. Embora trabalhos recentes tenham detectado que o músculo também apresenta crescimento compensatório, especialmente as fibras musculares glicolíticas, essa compensação pode não ser a estratégia mais eficiente do ponto de vista técnico e econômico, principalmente para o pecuarista que trabalha os ciclos de recria e engorda na propriedade.

Um trabalho publicado recentemente e desenvolvido pela Universidade Federal de Viçosa evidenciou essa situação e nos ajuda a entender a importância da nutrição na recria sobre a composição do ganho e retorno financeiro ao longo do período de engorda. No período pós-desmame os animais foram submetidos a 3 planos nutricionais durante a recria, seguido de terminação com alto concentrado conforme a tabela 1 abaixo:

Tabela 1 – Esquema dos planos nutricionais avaliados no trabalho, com diferentes ganhos de peso diário (GPD) na recria, seguido do mesmo plano nutricional na terminação.

Recria

Terminação

GPD baixo – 0 Kg/dia GPD alto
GPD médio – 0,6 Kg/dia GPD alto
GPD alto – 1,2 Kg/dia GPD alto

 

O estudo observou que os animais no tratamento para alto desempenho na recria converteram nutrientes de forma mais eficiente, ou seja, produziram mais carcaça quando comparados aos demais tratamentos. Mas o mais interessante foi o resultado na engorda e também o resultado financeiro da operação. Na engorda, os animais que passaram por restrição durante a recria ganharam mais peso, mas o pior resultado desses animais na recria foi apenas parcialmente compensado na terminação, ou seja, mesmo com o ganho compensatório os animais que passaram por restrição alimentar na recria não conseguiram atingir o mesmo padrão de ganho de carcaça dos animais que não sofreram restrição alimentar.

Figura 2 – Efeito de planos nutricionais durante a recria:  baixo (0 Kg/dia), médio (0.6 Kg/dia) e alto (1.2 Kg/d) ganho de peso, sobre o peso de órgãos na recria e engorda de bovinos nelore.

Fonte: Adaptado de Silva et al., 2020

Mas, e para o bolso do pecuarista, será que vale a pena investir na recria?

É preciso destacar que intensificar a recria necessariamente passa por aumentar a oferta de nutrientes para os animais, principalmente durante o período seco do ano. Isso acontecerá principalmente por 3 caminhos:

  • Suplementação estratégica com proteinados ou proteico energéticos;
  • Vedação/diferimento de pastagens;
  • Utilização de estrutura de confinamento para fornecimento de dieta completa (volumoso e um pouco de concentrado) no cocho, estratégia também conhecida como sequestro ou resgate.

Para cada uma dessas alternativas a exigência de estrutura e investimento difere. Portanto, os resultados financeiros encontrados no campo variam de acordo com o custo da arroba engordada em cada região, que sofre influência da estratégia nutricional utilizada e dos custos operacionais da fazenda. De maneira geral, projetos que tem se organizado e optado por intensificar a recria tem conseguido bons retornos financeiros. Conforme comentado no início desse artigo, vale a pena ressaltar que o pecuarista precisa utilizar uma métrica para avaliar sua atividade que permita comparações com outras atividades de uso da terra, afinal, pecuária é negócio que precisa gerar lucro como qualquer outra atividade econômica. Nesse contexto, a intensificação da recria normalmente permite se trabalhar com cargas (@/ha) maiores, que resultam em maiores ganhos de @ por hectare, além de permitir ajustes no manejo das pastagens, aliviando os pastos em períodos de baixa produção de massa forrageira.

O mesmo trabalho discutido acima também avaliou o retorno financeiro para os 3 planos nutricionais utilizados na recria sobre o resultado financeiro da operação recria+engorda, nos trazendo uma boa visão da importância do retorno ser avaliado com base em ganho de carcaça. Em resumo, a recria conduzida com planos nutricionais para baixo ganho, ou seja, apenas mantendo o peso do animal ao longo da recria, gerou prejuízo. Esse prejuízo foi compensado parcialmente durante a engorda, mas o melhor resultado financeiro considerando todo o período (recria+engorda) ficou com a estratégia para alto ganho na recria (1.2 Kg), conforme evidenciado na Figura 3 abaixo. Isso não significa que essa deve ser a estratégia de escolha para qualquer fazenda, especialmente no Brasil onde encontramos diferentes situações de acesso a grãos, logística, tipo de raça e climas, mas sim que o ganho de carcaça durante a Recria + Engorda, apesar do custo maior com suplementação, gerou mais lucro na situação experimental.

Figura 3 – Efeito de 3 planos nutricionais distintos na recria (baixo (0g/d), médio (0,6 Kg/d) e alto (1,2 Kg/d) ganho de peso) sobre o resultado financeiro ($ – dólares) ao longo da recria, engorda e recria + engorda. As setas vermelhas indicam prejuizo para o plano nutricional baixo na recria, e o quadrado vermelho indica o resultado financeira ao final da operação recria+engorda.

 

Fonte: Adaptado de Silva et al., 2020

 

Opções de suplementação para intensificar a recria

Grande parte das regiões produtoras no Brasil sofrem efeito da estacionalidade climática, com períodos de chuva e seca relativamente bem definidos. O efeito da diminuição das chuvas e de temperaturas mais frias gera mudanças na morfologia do capim, diminuindo a qualidade e disponibilidade de nutrientes para os animais conforme discutido no artigo sobre Planejamento Nutricional para o Período de Transição, que pode ser encontrado no blog da Nutron. Portanto, o objetivo da suplementação como forma de intensificar a recria é de compensar a queda na ingestão de nutrientes pelos animais, compensando o déficit nutricional do capim e aumentando o ganho de peso do gado.

A figura 4 abaixo ilustra o que podemos esperar com diferentes tipos de estratégias nutricionais durante o período seco.  As simulações abaixo foram realizadas com a ferramenta Predição de Desempenho a Pasto, da Cargill/Nutron. Essa ferramenta nos permite avaliar com boa precisão o que podemos esperar em diferentes variáveis de desempenho zootécnico e financeiro. A ferramenta deriva de uma meta-análise que avaliou o desempenho de aproximadamente 3.000 animais em mais de 60 experimentos (teses, dissertações e artigos) publicados no Brasil. Vale ressaltar que níveis maiores de suplementação, desde que bem conduzidos, aumentam o potencial de desempenho e de retorno financeiro, mas aumentam também os investimentos em estrutura, logística e mão de obra treinada, portanto, a avaliação de qual estratégia é a melhor vai depender da realidade de cada fazenda.

Figura 4 – Expectativa de ganho de peso para cada estratégia nutricional. As projeções foram realizadas utilizando a ferramenta Predição de Desempenho a Pasto da Cargill/Nutron.

 

 

O período de vacina em Maio é uma oportunidade para avaliar a condição do gado e dos pastos e definir lotes e estratégia nutricional pra cada categoria na fazenda. A definição de qual é a melhor opção pra cada situação deve ser feita após uma análise detalhada de alguns fatores, conforme abaixo:

  • Objetivo comercial: O que quero fazer com os animais após o período seco? Vender boi magro? Engordar os animais? Empenhar as novilhas na próxima estação de monta?
  • Lotação da fazenda na saída das águas e início da seca;
  • Condição dos pastos na saída das águas e início da seca;
  • Estrutura de cochos e bebedouros;
  • Custo para compra do suplemento ou fabricação na fazenda;

O nutriente limitante para o desempenho animal durante o período seco é a proteína. Portanto, os suplementos precisam ser formulados para compensar essa queda de proteína, que poderá ser fornecida na forma de ureia, já que os microrganismos ruminais conseguem utilizar amônia como fonte de nitrogênio, e proteína verdadeira, encontrada em farelos proteicos como o farelo de soja, algodão, amendoim dentre outros. No entanto, suplementos conhecidos como ureados e proteinados são produtos de consumo relativamente baixo, de até 300-400g por animal por dia, gerando ganhos também relativamente pequenos. Suplementos proteico-energéticos (P. Energetico) fornecem não apenas proteína mas também energia para os animais, e com um consumo entre 1 – 1.5 Kg por animal por dia aumentam a expectativa de desempenho do gado, que pode chegar a 500 g/d. Para os proteinados e proteico-energéticos existem 2 características da formulação que o produtor precisa ficar atento: o nível de ureia e a qualidade dos farelos utilizados. Confira na Tabela 2 abaixo o porquê:

 

Tabela 2 – Importância da relação ureia: proteína verdadeira e qualidade dos ingredientes farelados em suplementos proteicos e proteico-energéticos.

Item

Importância Resultado
Correta relação entre ureia/proteína verdadeira no suplemento Os bovinos precisam de proteína verdadeira para a produção de 3 aminoácidos essenciais, são eles valina, leucina e isoleucina Melhoria da digestibilidade e do fornecimento de nutrientes para o animal = melhor desempenho
Qualidade dos ingredientes farelados Ingredientes de baixa digestibilidade (resíduos de colheitas, grãos mal armazenados e etc) são menos aproveitados pelo gado

Diminuição do ganho de peso

 

 

Vale ressaltar que esse tipo de suplemento de consumo maior (P. Energético 3-5g) auxilia também na diminuição do estresse e propensão a doenças, considerando o período inicial pós desmame. Também é importante enfatizar que a principal fonte de nutrientes para o gado continuará sendo o pasto, portanto o desempenho será diretamente relacionado a condição do capim. Alguns projetos têm utilizado instalações de confinamento, algumas vezes ociosas, para a recria confinada, onde se obtém maior controle e melhor performance do gado. Esse será um assunto para um próximo artigo.

E não menos importante: Água!

            É sempre importante ressaltar que disponibilidade e qualidade de água são fatores fundamentais para o bom desempenho do gado. Durante o período seco do ano o produtor que utilizada aguadas naturais ou reservatórios naturais como cacimbas precisa redobrar a atenção quanto a qualidade e disponibilidade de água. Reservatórios que tendem a secar reduzem a disponibilidade ou dificultam o acesso do gado a água e isso pode resultar em menor consumo de alimento e ganho de peso. Esse tipo de reservatório tende a ficar mais raso com a diminuição das chuvas, muitas vezes forçando os animais a entrarem no reservatório para ter acesso a água. Esses fatores podem aumentar a concentração e ingestão de toxinas, como a toxina botulínica (Souza et al., 2006;), além facilitar a contaminação por bactérias e vírus que são eliminados com fezes e urina. A água também é a fonte mais comum para contaminação com coccídeos como a Eimeria. Esse parasita interno se multiplica no intestino dos animais e dificulta a absorção de água e nutrientes, levando a casos de diarreia e diminuindo o ganho de peso. Apesar da forma clínica ser mais comum em bezerros até 4 meses, a forma subclínica e silenciosa diminui a performance do gado de forma crônica. Nesse sentido, a utilização de aditivos ionóforos como monensina, salinomicina, lasalocida e narasina auxiliam o controle e prevenção de coccidiose, além de atuarem como melhoradores de desempenho, aumentando o ganho de peso.

Figura 4 – Animais dentro de reservatório, fator que aumenta proliferação de doenças e potencial de ingestão de toxinas.

 

 

Referencias:

Souza et al. 2006. Esporos e toxinas de Clostridium botulinum dos tipos C e D em cacimbas no Vale do Araguaia, Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira.

Silva et al. 2020. Post-weaning growth rate effects on body composition of Nellore bulls. Animal Production Science. Acesso: https://doi.org/10.1071/AN19032.

 

 

 

 

One thought on “Vale a pena intensificar a recria?
  1. Anônimo

    5

    08/07/2021 Reply
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