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Planejamento Nutricional para o Período de Transição

Planejamento Nutricional para o Período de Transição

Nenhuma fonte de energia é mais barata que a luz solar. Nesse sentido, a produção de bovinos de corte em pastagens é uma vantagem competitiva para o Brasil, que usufrui das condições climáticas de um país tropical e da disponibilidade de recursos naturais para a produção de carne à custos menores. No entanto, nas principais regiões produtoras, observa-se uma estacionalidade muito evidente na produção de capim devido às variações nos níveis de precipitação, o que reflete diretamente na relação solo-capim-animal e no potencial produtivo do gado. O planejamento nutricional para períodos mais secos e de restrição de oferta de capim deve-se iniciar com antecedência, a fim de facilitar a execução de atividades necessárias na fazenda e permitir a compra de insumos com preços mais competitivos.

A fase de transição águas-seca, que no Brasil central ocorre entre abril e junho, se caracteriza pelo período no qual o capim começa a diminuir em quantidade e qualidade, seguindo a diminuição dos volumes de chuvas.

 

Consequências da transição para o capim e para o gado

A diminuição das chuvas altera o perfil de crescimento do capim, sua composição morfológica e nutricional, diminuindo a oferta de nutrientes e o desempenho animal. O crescimento vegetativo diminui nesse período, e a planta se prepara para produção de sementes, fator que reduz consideravelmente a qualidade nutricional dos pastos, conforme pode ser observado na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1 – Variação do índice de área foliar (IAF) e composição morfológica da Brachiaria Decumbens em pastagem adubada com nitrogênio e mantida a 20 cm de altura ao longo das 4 estações do ano*.

*Médias seguidas de letras iguais, na mesma linha, não diferem estatisticamente.
Fonte: Adaptado de Fagundes et al., 2006

 

As consequências dessa mudança morfológicas para as características bromatológicas e para o valor nutricional (composição nutricional + digestibilidade) do capim podem ser sumarizadas conforme abaixo:

  • Aumento da matéria seca (MS) da forragem;
  • Aumento do nível de fibra (FDN) da forragem;
  • Diminuição da proteína bruta (PB) da forragem;
  • Diminuição da digestibilidade e do valor nutricional da forragem.

 

Essas características descritas acima têm consequência direta no desempenho animal, pois altera o comportamento ingestivo, o potencial de degradação do capim no rúmen e o consequente fornecimento de nutrientes para o animal. Abaixo as principais consequências do capim de transição para o animal:

 

  • O aumento da MS e da FDN do capim reduz a capacidade ingestiva do animal devido o maior enchimento ruminal e menor taxa de passagem do alimento;
  • A diminuição da PB reduz a atividade de microrganismos fibrolíticos no rúmen, reduzindo a digestibilidade da fibra e também aumentando o tempo de retenção do alimento no rúmen;
  • A diminuição da digestibilidade reduz o fornecimento de nutrientes para o animal, tanto na forma de proteína microbiana como ácidos graxos voláteis (AGVs);
  • A menor ingestão de alimento somado ao menor aproveitamento do mesmo reduz o ganho de peso do gado.

 

Com a redução dos níveis de proteína e da digestibilidade do capim a manutenção do ganho de peso diário (GPD) dos animais fica mais difícil, e a necessidade de correção dessas limitações via suplemento se faz necessário. Na Figura 1 abaixo fica evidente como essa dinâmica de qualidade dos pastos pode afetar o desempenho animal.

Figura 1 – Dinâmica dos níveis de proteína bruta das pastagens no Brasil Central ao longo do ano e seu efeito sobre o desempenho animal.

Assim, a suplementação estratégica se torna uma ferramenta essencial para manutenção da performance animal no período de transição, corrigindo as deficiências do capim e permitindo o melhor aproveitamento dos nutrientes.

Mas então, qual seria o suplemento ideal para o gado nesse período? Essa resposta depende de alguns fatores que vamos elencar abaixo. Vale lembrar que cada fazenda tem sua própria dinâmica ao longo do ano e, quanto ao manejo do pasto, o que o produtor enxerga hoje é um reflexo do que tem feito ao longo do último ano, pelo menos. Portanto, uma visão estratégica de longo prazo é sempre muito importante para que o produtor esteja preparado para encarar os períodos de déficit de alimentos na fazenda, e evite que isso prejudique o desempenho animal. Voltando a suplementação mais apropriada, algumas perguntas precisam ser respondidas antes da tomada de decisão:

  • Qual a carga animal hoje (saída das águas) nos meus piquetes/módulos (UA/hectare)?
  • Qual a condição atual dos pastos e sua capacidade de suporte até as próximas chuvas (o ideal seria estimar a disponibilidade de matéria seca por área e enviar amostras para análise bromatológica)?
  • O que pretendo fazer (vender, semi-confinar, confinar, suplementar a pasto) com as diferentes categorias da fazenda?
  • O quanto tenho de caixa para investir em nutrição e qual a melhor estratégia nutricional?

 

Planejamento nutricional

Conforme exposto acima, o gado na transição está saindo da época das águas onde a quantidade e qualidade do pasto não é limitante, e ganhos entre 600-800g/dia apenas com um bom suplemento são comuns. Para que o ganho de peso não diminua é importante que os animais recebam uma suplementação adequada na transição e seca.

Desmama   

Para novilhos que estão saindo das águas recém desmamados, com peso entre 180-220 Kg, o período de recria no Brasil tradicionalmente é longo, caracterizado por suplementação de baixo consumo (mineral ou proteico 1g/Kg no máximo), entregando os animais, no melhor dos cenários, com 230-250 Kg na entrada das próximas chuvas em novembro. Esse cenário é mais conservador, portanto resulta em menor necessidade de investimento em nutrição e estrutura, por outro lado reduz o desfrute e o potencial de lucro do produtor. Para esse tipo de situação (Cenário 1), a venda dos bezerros pode se tornar um negócio interessante, pois reduz a pressão sobre os pastos e permite ao produtor se capitalizar.

 

Uma opção interessante para melhores ganhos é o diferimento/vedação de pastagens na saída das águas para serem utilizadas durante o período de transição/seca (Cenário 2). Essa alternativa permite que alguns piquetes sirvam de reserva de alimento para o gado, e quando combinado com uma suplementação estratégica de qualidade, permite ganhos de peso de até 300-500g/d. Dessa forma, os animais entrariam nas águas com 250-280 Kg, podendo assim ser terminados no ano subsequente. No entanto, o correto diferimento é muito importante para o sucesso dessa técnica. É muito comum que pastos diferidos no final das águas e utilizados 4 meses depois, no pico do período seco, apresentem uma boa quantidade de massa, mas com baixo valor nutricional.

Uma terceira estratégia que tem crescido nos últimos anos é a utilização das instalações de confinamento para a recria intensiva, também conhecida como resgate ou recria confinada em algumas regiões do Brasil. Essa técnica permite ao produtor diminuir a pressão sobre os pastos além de garantir um maior controle sobre o GPD do gado, que nessas situações gira em torno de 600-800g/dia (Cenário 3). O principal cuidado nesse período é justamente controlar o GPD excessivo, já que os animais ainda estão fisiologicamente em crescimento e altos níveis de energia restringem o crescimento animal em detrimento da deposição de gordura. O ideal para as dietas nesse período é o uso de silagens de capim ou sorgo, menos energéticas que as de milho. Fontes de proteína de boa qualidade também são desejáveis, como o farelo de soja e de algodão, ou subprodutos da produção de etanol de milho. Nesse cenário o produtor consegue maximizar o potencial dos animais, que chegam nas próximas chuvas entre 280-310 Kg e podem ser terminados nas secas do ano subsequente.

Garrotes

Para animais mais pesados (10-12@), a fase de transição deve ser encarada como uma fase de pré-adaptação à dieta de engorda e terminação, seja ela feita em semi-confinamento ou confinamento. Animais nessa fase já estão fisiologicamente mais maduros e, portanto, com estrutura mais pronta para a engorda. No entanto, o requerimento de energia para a manutenção dessa categoria é mais alto, tornando a terminação desses animais exclusivamente a pasto muito difícil.

Para uma boa adaptação dos animais ao maior consumo de grãos no semi ou no confinamento, o ideal é que os animais recebam um suplemento para consumo de 3 a 5g/Kg de peso vivo, ou seja, para um consumo de 1,2 a 2 Kg/cabeça/dia. Esse perfil de suplemento permite uma boa adaptação da flora microbiana do rúmen a dietas com mais amido, além de adaptar os próprios animais ao manejo de fornecimento diário de suplemento. Para esse perfil de suplemento é necessário um espaçamento de cocho de pelo menos 30 cm linear por cabeça e é fundamental o acompanhamento mais frequente dos animais. Um dos sinais importantes que pode ser usado para avaliar o andamento da suplementação é o escore de fezes do gado nesse período. As fezes devem estar pastosas, com coloração amarronzada e sem apresentar muco (Figura 2A e 2B). Fezes aneladas normalmente estão relacionadas a falta de proteína e problemas na digestibilidade do capim (Figura 2C e 2D), e fezes muito liquidas e diarreia (Figura 2E e 2F) podem ser sinal que alguns animais estão consumindo muita ração sem estar adaptado para tal. Lotes menores (até 100 animais) e mais homogêneos (menor variação de peso e raça) ajudam no bom desenvolvimento desse tipo de estratégia por permitirem menor disputa e consequentemente um acesso e consumo mais parelho ao suplemento.

 

Figura 2 – Exemplo de escore de fezes desejável (A e B; pastoso e com boa coloração), não desejável – anelar (C e D; digestibilidade e desempenho prejudicados) e não desejável – líquido (E e F; digestibilidade e desempenho prejudicados).

 

Um ponto importante a ser considerado durante essa fase é a disponibilidade adequada de forragem para os animais até o envio para o confinamento ou terminação a pasto. Se a opção for por terminar esses animais em semi-confinamento a disponibilidade de pasto precisa ser ainda maior, e esse ponto será determinante para o desempenho. Nesse contexto, vale ressaltar que no semi-confinamento tradicional os animais recebem em torno de 1% do peso vivo em ração, ou seja, em torno de 4-5 Kg de matéria seca/animal/dia, e o restante da dieta será complementada pelo pasto, ou seja, 5-6 Kg de matéria seca (15-20 Kg de matéria natural para um pasto de transição com 30% de MS). Para níveis maiores de suplementação, também conhecida como TIP (terminação intensiva a pasto) os animais dependerão menos do pasto e o produtor poderá trabalhar com lotações maiores por área. Outros pontos de atenção são necessários para o semi-confinamento, como espaçamento de cocho, horário de fornecimento, logística para distribuição, entre outros. Esses pontos foram discutidos mais a fundo em outro artigo do blog da Nutron sobre engorda intensiva a pasto, confira aqui.

Por fim, mas não menos importante, os animais necessitam de disponibilidade de água de boa qualidade e em quantidade para que possam desempenhar e ganhar peso. Os animais devem ter acesso livre a fonte de água. O produtor deve se atentar para o período de transição e seca do ano principalmente quando utiliza fontes naturais como cacimbas. Esse tipo de reservatório tende a ficar mais raso com a diminuição das chuvas, muitas vezes forçando os animais a entrarem no reservatório. Esses fatores podem aumentar a concentração e ingestão de toxinas, como a toxina botulínica (Souza et al., 2006;). De acordo com o último NRC de 2016, um animal de 270 Kg em condições de temperatura tropical de 32° C deve ingerir em torno de 48 litros de água por dia (Tabela 2). Apesar de ser usado como base de requerimentos também para raças taurinas, esses valores nos dão uma boa ideia da importância da disponibilidade de água para bovinos em condições tropicais. Portanto, o planejamento do fornecimento de água também é um fator primordial para o sucesso de um projeto pecuário na transição – seca.

 

Tabela 2 – Requerimento de água (Litros/animal/dia) para animais em crescimento de acordo com peso a temperatura ambiente (NRC, 2016).

 

 

Referências:

Fagundes et al. 2006. Características morfogênicas e estruturais do capim-braquiária em pastagem adubada com nitrogênio avaliadas nas quatro estações do ano. Revista Brasileira de Zootecnia.

Souza et al. 2006. Esporos e toxinas de Clostridium botulinum dos tipos C e D em cacimbas no Vale do Araguaia, Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira.

National Academy of Sciences, Engineering, and Medicine. 2016. Nutrient Requirements of Beef Cattle, Eighth Edition. Washington, DC.

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