Peste Suína Africana: o que mudou até o momento, uma atualização da situação mundial
Artigo originalmente publicado no Anais do 13° Simpósio Brasil Sul de Suinocultura
Na suinocultura, o poder destrutivo da peste suína africana (PSA) só é “superado” por seu poder transformador.
No início da nova onda de PSA, que começou em 2007 no leste europeu, os estragos e mudanças se restringiram aos países afetados, o impacto sobre a suinocultura mundial foi muito leve. Porém quando em 2018 atingiu a China e se alastrou rapidamente pela Ásia-Pacífico, cerca de um quarto do rebanho mundial teve que ser eliminado ou morreu por ação do vírus. Desta vez os reflexos extrapolaram fronteiras e continentes, mas não só atingindo a atividade suinícola, significativos impactos nas commodities agrícolas e, consequentemente, na economia Mundial seguem sendo observados.
Preços e Rentabilidade da Suinocultura
Os prejuízos não foram apenas para os produtores que tiveram seus rebanhos mortos pela doença ou eliminados para contenção da disseminação do vírus. Apesar de compensações serem comuns em muitos países, nem todos os produtores são beneficiados e muito menos são cobertas todos as perdas.
Como os preços inicialmente foram dramaticamente pressionados para baixo, todo o setor sentiu. Todavia, tanto as causas como os impactos e, sobretudo, as consequências futuras foram muito diferentes nos distintos países. Alguns países tiveram preços baixos por terem exportações canceladas, e outros por redução de consumo interno, causada pela desinformação da população. Contudo o que mais afetou preços foi o grande volume de carne que chegou ao mercado, pois em muitos países, produtores venderam seus rebanhos infectados para abate em um curto espaço de tempo.
Por outro lado, a grande oferta gerada pela redução dos plantéis, em pouco tempo, gerou escassez de carne, fazendo com que os produtores remanescentes na atividade passassem a desfrutar preços muito bons, tanto em países atingidos como em habilitados à exportação. Na China e Vietnã, os produtores desfrutaram períodos com rentabilidades bem acima de 100%. Segundo um amigo chinês: “Produzir suínos era melhor que vender “drogas”, o lucro era equivalente e não corria risco de ir para a cadeia”.
O mercado suíno chinês é historicamente muito volátil, independentemente da PSA. Diversos ciclos de aumento ou redução de oferta/demanda, por distintas causas, geram períodos de perdas e ganhos significativos. Na verdade, nada muito diferente do que ocorre com o mercado suíno no mundo inteiro.
O país vinha de um momento de preços e lucratividades ruins desde o início de 2018, com alguma recuperação no meio do ano quando veio a “bomba” da PSA. Mas a onda de preços ruins durou pouco, pois logo começou a faltar carne. Os preços e a lucratividade subiram drasticamente, até que a partir de janeiro deste ano (2021) os preços começaram a cair, chegando em julho a apresentar prejuízos.
Isto muito provavelmente é porque o mercado já está sentido o aumento de oferta promovido pelos novos investimentos e pelo fato de que produtores já estão buscando adiantar vendas para reduzir o número de animais pesados, interessantes em período de bons preços, mas destruidores de margens em períodos de baixa.
Pare se ter uma ideia, com base nos dados da consultoria Boyar (figura abaixo), em setembro de 2019 (R$1,00 = RMB 1,74) o preço do suíno vivo na China estava equivalendo à R$21,00/kg, com lucro de R1.700,00 por animal. Agora em julho de 2021 (R$1,00 = RMB 1,25) o preço do suíno caiu para o equivalente a R$11,20/kg, o que representa um prejuízo de R$420,00 por suínos.
Todavia é importante tomar cuidado porque a simples conversão pelo câmbio pode não dar uma ideia real de valores. Os preços dos grãos na China são muito mais elevados que no Brasil e os preços relativos de todos os demais itens sofrem “distorções” (Em julho/21: Farelo de soja CHN R$3,00/kg, BRA 2,50; milho CHN R$2,50, BRA 1,70).
A forte queda dos preços é devida à entrada, ou apenas à perspectiva de entrada, no mercado dos animais produzidos nas novas granjas. Postergação e cancelamentos de embarques de carne para China já têm sido reportados nos 3 principais polos de exportação: Espanha, Estados Unidos e Brasil.
Essa situação, portanto, tem pressionado os preços globalmente. Não há dúvida de que os preços voltarão a se equilibrar na China dentro de um padrão de rentabilidade razoável. O governo chinês já oficializou que a situação vai se estabilizar e que os produtores não devem rever seus investimentos. Mas, como é sabido, esses processos de ajuste nem sempre são fáceis e totalmente controláveis.
Vale lembrar que nos últimos dois anos não foi possível separar os efeitos diretos e indiretos da pandemia que afetou os humanos e aquela que atinge apenas os suínos. Grandes variações de preços foram causadas por interações entre essas duas pestes. Por exemplo, no Brasil, a redução da demanda interna foi compensada pelo aumento das exportações, ajudando a conter os preços e a lucratividade. Em países como Estados Unidos e Alemanha, frigoríficos foram fechados devido à alta incidência de funcionários com a Covid 19, gerando enormes prejuízos para a rede.
Consolidação e Modernização
Houve redução drástica de pequenos produtores, que na China e Vietnã, atraídos pela excelente rentabilidade, tentaram repetidas vezes retornar à atividade, mas que sem as devidas medidas de biossegurança, foram seguidamente expulsos da atividade pelo vírus.
Por outro lado, os produtores remanescentes tiveram incentivos financeiros espetaculares para expandir a produção. Não há notícias de ajuda direta de governos, mas eles colaboram indiretamente, por exemplo, agilizando licenças ambientais e criando infraestrutura para investimentos.
Também não há notícias de que governos, como China e Vietnã, tenham tentado “controlar” os preços de forma heterodoxa, como tabelamentos de preços etc. Eles usaram estoques regulatórios e aumentaram as importações, mas como nada disso seria suficiente para cobrir seus déficits de carne suína, eles aparentemente permitiram que as leis de mercado funcionassem.
Altos lucros levariam a elevados investimentos privados. Na prática, a lei de mercado funcionou! A resposta, especialmente da China, a este estímulo capitalista foi fantástica. Com menos de 3 anos do primeiro foco, já se tem indicações de que o país recuperou sua capacidade produtiva perdida. Algumas vezes tenho a impressão que o estímulo possa ter sido excessivo e os novos investimentos podem exceder a demanda…
O governo chinês já vinha há muito tempo incentivando a mudança do perfil da produção suína no país. Criando maiores dificuldades para pequenos produtores, principalmente aqueles próximos às áreas urbanas, e incentivando novos empreendimentos. Mesmo antes da PSA, já havia se tornado mundialmente famoso um grande empreendimento chinês de produção de leitões em prédios de 13 andares.
Este modelo foi amplamente empregado nos pós pandemia. É icônico o conjunto de prédios da Muyuan Meat and Food Industry, que segundo a Revista Successful Farming construiu um complexo de 21 edifícios com duas torres de seis andares cada. Cada torre com capacidade para 2.500 fêmeas, totalizando 105.000 matrizes. Espera-se uma produção anual de 2.1 milhões de animais, que serão abatidos e processados no complexo. Serão 5.000 funcionários alojados em dormitórios também dentro do complexo. Automação e tecnologia de ponta também estão sendo empregados. Claro, biossegurança em primeiro lugar! (link para o artigo com fotos disponível no final do texto).
Mais recentemente, foi anunciada uma granja em um prédio com 26 andares na província de Hubei…, mas com capacidade para produzir “apenas” 1.2 milhões de animais anualmente…
Desta forma o processo de modernização da suinocultura Chinesa foi acelerado em uma velocidade espantosa. Todas as consequências destas mudanças ainda não são claras, mas a redução do número de pequenos produtores foi drástica, ao mesmo tempo a consolidação é espantosa.
Usando como exemplo o levantamento da empresa Genesus, entre 2019 e 2020 mundialmente o número de matrizes pertencentes a empresas com mais de 100.000 fêmeas aumentou em quase 5 milhões, atingindo um total de 16.5 milhões de matrizes. Das 40 empresas da lista, 15 são chinesas, estas representaram 80% do crescimento (4 milhões). Sendo que a Muyuan, já citada pelos seus novos investimentos, é a maior do mundo, passando de um ano para outro de um total de 1.3 milhões para 2.6 milhões de matrizes.
Este modelo de granjas gigantescas também não está totalmente testado e validado, ficam grandes dúvidas sobre questões sanitárias, que vão muito além de PSA. Como ficam quesitos simples, tais como diarreias provocadas por Escherichia coli, Streptococcus, micoplasma, … lembrando que na China também estão presentes os vírus da PED (Diarreia Epidêmica Suína) e da PRRS (Síndrome Reprodutiva e Respiratória Suína). Como fica a geração de dejetos, manutenção dos prédios etc.? Somente o tempo dirá quão sustentável será e é este novo modelo.
Demanda e Preços Internacionais de Grãos
Ao mesmo tempo que o tamanho das granjas mudou, também mudou o tipo de alimentação dos animais. Desconheço “números oficiais”, mas sei que animais de “pequenos produtores” comumente são alimentados com todo tipo de alimento disponível, além da ração. Nas novas granjas industriais, ingredientes tradicionais, como milho, trigo e farelo de soja são utilizados em proporções muito maiores. Isso pode explicar o aumento significativo nas importações de milho e soja da China, especialmente após o PSA.
O peso de abate que era em torno de 115kg (ver Figura) antes da PSA passou para cerca de 135kg. Todavia, há relatos de que alguns produtores chegavam a levar seus animais até 180kg. Como a conversão alimentar piora significativamente com o aumento de peso, muito mais ração é necessária para produzir uma mesma quantidade de carne, contribuindo também para o aumento na demanda de grãos.
O governo chinês também busca estimular o uso de ingredientes alternativos disponíveis no país, como caroço de algodão e coprodutos de arroz. Isso, somado à redução do peso de abate, que já está ocorrendo, deve gerar uma redução na pressão por ingredientes importados. A demanda provavelmente diminuirá, mas não será menor do que no período pré-PSA.
Hábitos Alimentares
Apesar do consumo de carne suínas ser parte integrante da cultura da China, como também do Vietnã, a escassez e os preços incentivaram a migração para outras opções. A carne que mais ocupou o espaço foi a de frangos (com aumento substancial da produção local), mas também houve crescimento do consumo de carne bovina (suportada basicamente por importações)
Em conversa com colegas chineses, eles levantam dúvidas sobre uma possível recuperação dos níveis de consumo. Algumas perdas podem ser irreversíveis. Certos hábitos alimentares adquiridos involuntariamente tendem a se estabelecer. Não só no que diz respeito ao consumo de proteínas animais alternativas (frango, peixe etc.), mas também a uma redução geral no consumo de carne. Essa tendência não tem relação direta com o PSA, mas tem sido observada em muitos países, principalmente entre o público jovem urbano. No entanto, isso deve representar um “degrau” na curva de crescimento do consumo proporcionado pelo aumento da renda. No médio e longo prazo, a tendência de aumento no consumo de proteína animal deverá continuar na maior parte da Ásia.
Conhecimento e Controle da PSA
Apesar de conhecida há mais de um século e surtos pelo mundo já terem sido observados, nunca a PSA havia tomado tamanha proporção. Isto gerou investimentos em pesquisa e adaptações para “coexistência” com o vírus.
As seguir alguns pontos sobre a PSA são apresentados, alguns já são de amplo conhecimento, mas o principal objetivo é substanciar a discussão das diferenças entre os surtos do passado e os atuais. Alertar sobre riscos, dificuldades para controle e apresentar algumas perspectivas. Infelizmente, nem todas, otimistas.
Sinais Clínicos
Segundo a OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) as formas agudas de PSA são caracterizadas por febre alta, depressão, anorexia e perda de apetite, hemorragias na pele (vermelhidão da pele nas orelhas, abdômen e pernas), aborto, cianose, vômito, diarreia e morte em 6-13 dias (ou até 20 dias). As taxas de mortalidade podem chegar a 100%.
As formas subagudas e crônicas são causadas por vírus moderadamente ou pouco virulentos, que produzem sinais clínicos menos intensos e que podem se manifestar por períodos muito mais longos. As taxas de mortalidade são mais baixas, mas ainda podem variar de 30 a 70%. Os sintomas da doença crônica incluem perda de peso, febre intermitente, sinais respiratórios, úlceras crônicas da pele e artrite.
Histórico
O vírus que provoca A PSA é originário da África, sendo naturalmente presente em animais que pertencem à família Suidae, mas diferentemente do suíno doméstico e dos javalis que são da espécie Sus Scrofa, estes animais são espécies dos gêneros Phacochoerus e Potamochoerus. Não apresentam sinais da doença e em conjunto com carrapatos do gênero Ornithodoros, que agem como transmissores, tornam o vírus da PSA endêmico na África Subsaariana.
Aproveitando informações presentes no Wikipedia, a doença foi descrita pela primeira vez depois que colonizadores europeus levaram suínos domésticos para áreas endêmicas com PSA. O primeiro surto foi retrospectivamente reconhecido como tendo ocorrido em 1907, depois que a PSA foi descrita pela primeira vez em 1921 no Quênia. A doença permaneceu restrita à África até 1957, quando foi notificada em Portugal. A doença estabeleceu-se na Península Ibérica e surtos esporádicos ocorreram na França, Bélgica e outros países europeus durante os anos 1980. Tanto a Espanha quanto Portugal conseguiram erradicar a doença em meados da década de 1990.
Nesta mesma época o vírus atravessou o Atlântico e atingiu alguns países do Caribe, como República Dominicana e Cuba. Chegando em 1978 também ao Brasil. As evidências são de que o primeiro foco foi provocado por sobras de carne contaminadas, servidas em um voo proveniente da Espanha, que foram fornecidas para animais criados em “fundo de quintal”, em uma região próxima ao aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro. A forte ação das autoridades para controlar a doença, somada a relativa baixa densidade de suínos na região, colaboraram para que o país voltasse a ser reconhecido como livre de PSA em 1984, com o último caso relatado em 15 de novembro de 1981 (Tokarnia et al., 2004).
Apesar das perdas diretas (animais doentes ou eliminados) terem sido pequenas, os prejuízos ao setor foram consideráveis, isto porque a PSA impôs um freio no rápido crescimento e profissionalização que a suinocultura Brasileira vinha vivenciando na época. Apesar de sempre ter sido deixado claro que a doença não afetava o ser humano, a já prejudicada imagem do “porco”, acabou sendo reforçada. As exportações, que davam seus primeiros passos, foram interrompidas, provavelmente com prejuízos a conquistas de mercados sentidas até hoje.
Cerca de 30 anos após sua erradicação em território Europeu o vírus foi identificado em junho de 2007 na Georgia, país situado no Cáucaso entre Rússia e a Turquia. A análise de sequências do genótipo do vírus encontrado na região, que passou a ser conhecido como “isolado Georgia 2007”, está intimamente relacionado a isolados que circulam em Moçambique, Madagascar e Zâmbia. Uma possibilidade de propagação da doença para a Geórgia é que os suínos foram alimentados com carne contaminada pelo vírus da PSA trazida em navios (Rowlands et al., 2008).
A partir deste foco, o vírus “Georgia 2007” segue se espalhando pelo mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), em 2008 já estava na Rússia, seguindo de forma contínua para leste atingindo países vizinhos, um após o outro…. Como exemplos, Ucrânia (2012), Polônia (2014) e finalmente Alemanha (2021). Porém a doença também atingiu a Bélgica de forma isolada em 2018. Segundo especialistas, é apenas uma questão de tempo para que toda a Europa esteja afetada pela PSA.
Apesar da Europa e Ásia geograficamente serem um mesmo continente, o primeiro foco na região da Ásia Pacífica foi na região de Shenyang, que fica a noroeste de Pequim e bem longe da fronteira com a Rússia, sendo que o caso foi oficializado em 2 de agosto de 2018. Curiosamente, a Copa do Mudo de Futebol realizada na Rússia ocorreu entre 14 de junho e 15 de julho do mesmo ano. Por isto se especula que o vírus possa ter “vindo na mala de um torcedor”.
A partir deste foco, o vírus se espalhou por toda a China e demais países da região. Ainda em 2019 atingiu o Vietnã, Filipinas e Coréia do Sul, na Índia foi relatado em 2020. O mapa abaixo divulgado pelo OIE mostra os países com focos confirmados de PSA até metade do ano de 2020.
Transmissão
Especialmente na Europa, os javalis são considerados os principais vilões do alastramento do vírus. Não porque são mais resistentes que as raças comerciais e, portanto, sobreviveriam transmitindo o vírus, mas sim porque o vírus é extremamente resistente na carcaça dos animais mortos, que passam a ser um grande foco de disseminação.
Apesar de nativa da Europa e amplamente espalhada pelo continente, a população de javalis tem aumentado consideravelmente e se dispersado para regiões onde antes não eram encontradas. Isto se deve a muitos fatores, dentre eles a alimentação suplementar no inverno, proporcionada por caçadores, e os invernos menos rigorosos observados nas últimas décadas. Além, é claro, de ausência de predadores naturais.
Cercas eletrificadas, repelentes e liberação da caça (praticamente sem limites) não foram suficientes para conter a disseminação da infecção de javalis em novas áreas. Posteriormente, os animais de fazenda são infectados. O exemplo mais forte disso é a Alemanha, que construiu cercas ao longo da fronteira com a Polônia, mas não conseguiu evitar que a doença cruzasse a fronteira. Como os focos encontrados são muito próximos da fronteira, a explicação mais provável é que o vírus tenha vindo de javalis que de alguma forma chegaram ao outro lado.
No leste da Alemanha prevalecem as fazendas maiores, tecnificadas e com boa biossegurança, mas são as fazendas menores com produções alternativas (algumas orgânicas) que estão sendo afetadas.
Especialistas concordam que os javalis são os principais depositários do vírus e, como seu controle é muito difícil, representam o maior empecilho para erradicação da PSA na Europa. Por outro lado, não são eles os responsáveis pela rápida disseminação, pois de forma natural o vírus se propagaria por poucas dezenas de quilômetros por ano. Desta forma, não cruzaria o continente com tanta rapidez e, muito menos, chegaria à Bélgica, China e países insulares do Pacífico.
Na verdade, o grande vilão é o ser humano que, por falta de conhecimento ou simples desrespeito aos cuidados com a saúde, leva consigo a doença, principalmente nos alimentos, que acaba chegando aos suínos selvagens ou de produções de baixa tecnificação. Na carne não cozida, o vírus sobrevive por mais de um ano.
Conversando com produtores de suínos na Alemanha, com granjas próximas às regiões afetadas pela PSA, eles relatam grande preocupação, pois, segundo eles, pessoas fazem rombos nas cercas instaladas para conter os animais potencialmente infectados, pois querem evitar que os animais sejam caçados ou, por questões de ideologia, com o objetivo de “combater” a produção comercial de suínos.
A transmissão do vírus pode ocorrer de outras formas também, como por exemplo, através de grãos colhidos em regiões com javalis contaminados. Por outro lado, apesar dos riscos de transmissão da PSA em alimentos processados e especialmente em aditivos serem muito baixos, a FEFANA (Associação Europeia de Empresas de Nutrição Animal), elaborou um detalhado estudo definindo regras para evitar a disseminação de PSA por ingredientes das rações, garantindo assim tranquilidade para os suinocultores, pelo menos em relação a estes ingredientes.
O controle de javalis (que hoje estão presentes em todo o mundo), o controle de granjas pouco tecnificadas (geralmente com pouca biossegurança) e o cumprimento das normas internacionais de biossegurança estipuladas pela OIE, são a chave para reduzir os efeitos da PSA em áreas contaminadas e evitar sua disseminação, mas atualmente, na grande parte dos países, todas estas ações parecem ser bastante difíceis de serem colocadas em prática.
O mundo globalizado envolve grande movimentação de cargas e pessoas. Sem dúvida, as restrições de viagem relacionadas ao controle da Covid 19 podem ter ajudado a conter a disseminação do PSA nas Américas e na Oceania, atualmente os únicos continentes livres do vírus.
Mas da forma como a doença se propaga, a dificuldade de se criar conscientização e controles efetivos dentre viajantes, a pergunta não seria se a PSA vai chegar a estes continentes, mas sim quando?
Adendo: Como todos já sabem, o parágrafo anterior está desatualizado, pois infelizmente no dia 28 de julho de 2021, poucos dias depois deste texto ter sido escrito, a PSE foi oficialmente constatada na República Dominicana, consequentemente, ainda não na área continental, apenas em uma das ilhas caribenhas. Isto gera esperança de contenção, mas o vírus aproximou-se de forma ameaçadora.
Além disto, em todas as Américas, os javalis e javaporcos já se tornaram pragas, com populações espalhadas por todo o continente. Desta forma, uma vez instalada a PSA, fica difícil imaginar que sua erradicação seja possível. Como na Rússia, é provável que se torne endêmica, desta forma os produtores locais vão ter que conviver com os riscos e prováveis prejuízos de ter o vírus em suas portas, bem como todas as restrições ao comércio internacional.
Por outro lado, sempre há esperança!
O melhor de tudo, seria acreditar que as medidas de contenção serão efetivas e o vírus não chegue a novos países ou continentes. Mas tomando como exemplo o caso da a Alemanha, que não conseguiu impedir a entrada do vírus, mesmo com suas cercas e programas, na América Latina onde a maioria dos países têm enormes fronteiras terrestres e/ou florestas, bem como significativa movimentação de pessoas e pouco controle, caso o vírus entre em um país, é muito provável que se alastrará com certa facilidade por toda a região. Por isto, para serem efetivas ao longo prazo, as ações precisam ser continentais.
Erradicação
A erradicação é possível, temos os exemplos do passado na Europa e mesmo no Brasil. Mas como descrito anteriormente, as condições atuais tornam a erradicação mais difícil, porém não impossível. Recentemente a República Checa e a Bélgica expulsaram a PSA de suas fronteiras. A Coréia do Sul também tem sido um excelente exemplo de combate ao vírus.
No caso da Bélgica, depois de ações eficientes de isolamento dos focos (cercas e controle de circulação) e forte eliminação dos javalis, que contou até com a ajuda do exército, conseguiu-se em outubro de 2020 o reconhecimento oficial da OIE de país livre da doença, há exatos 2 anos da notificação do primeiro caso.
Compartimentalização
A compartimentalização, que consiste na divisão do país em áreas com diferentes status em relação à doença (mais detalhes podem ser encontrados no site da OIE) pode ajudar a amenizar as consequências da entrado do vírus em um país. Isto por isolar áreas de risco e por permitir que outras regiões sigam com maior liberdade para comercialização e produção.
Bons exemplos são os casos da peste suína clássica e aftosa no Brasil, que permitem a estados livres das doenças sem vacinação alcançarem um número muito maior de mercados. Todavia para a PSA a compartimentalização ainda não é mundialmente aceita (em relação a importações de carne suína).
Mais uma vez tomando o exemplo da Alemanha, grande produtor e exportador, a compartimentalização permitiu que o país continuasse enviando a carne produzida em regiões livres para os demais países da Comunidade Europeia e alguns outros países, como o Vietnã. Todavia, seus dois principais clientes fora da comunidade europeia, China e Japão, até hoje não aceitaram retornar importações. Na prática, houve um remanejamento da carne dentro da Europa, sendo que especialmente a Espanha ocupou o lugar da Alemanha nas exportações para China. Este remanejamento interno na União Europeia impediu um colapso, mas não evitou quedas de preços no norte da Europa, região mais influenciada pela Alemanha.
Vacinas
Como no recente caso do Coronavírus/Covid 19, o isolamento ajuda a segurar, mas não impede a disseminação do vírus e suas consequências nas regiões/granjas infectadas, a solução é a Vacina. Diferentemente do Covid, que é uma doença nova, o vírus da PSA é conhecido desde à década de 50, mas até hoje não foi desenvolvida uma vacina. Na prática, nunca foi colocado muito esforço neste desenvolvimento, pois além de ser um vírus “difícil”, permaneceu nas últimas décadas restrito ao continente Africano, com pouco impacto na produção/economia mundial.
Porém tudo mudou após os surtos que começaram em 2007 e os gigantescos prejuízos causados, especialmente na China e Vietnam. Apesar de vários anúncios otimistas sobre alguns progressos relacionados ao seu desenvolvimento, ainda é difícil prever quando haverá uma vacina efetiva comercialmente disponível.
Por outro lado, dentre este processo de desenvolvimento, o uso de vacinas experimentais ilegais criou uma variante da PSA. Esta é muito menos letal, mas se espalha mais rápido a ponto de mudar as estratégias de contenção da doença na China. Felizmente, ainda não há relatos desta variante fora do território chinês.
Controle Seletivo: método da “Extração de Dentes”
Na China, devido à elevada concentração de animais, representando praticamente metade do rebanho mundial, e o fato da grande maioria da produção, há época, ainda ser pouco tecnificada, a disseminação do vírus além de rápida atingiu uma quantidade absurda de animais. Os números divergem entre fontes, mas com base nos dados da agência independente Boyar, comparando 2018 e os números mais baixos reportados ao longo de 2020, o rebanho chinês total de suínos chegou a cair 52% e o número de matrizes 33%, o que significou 14 milhões de fêmeas a menos. Isto representa aproximadamente sete Brasis, que têm cerca de 2 milhões de matrizes.
A grande maioria dos casos de PSA não foram reportados, sendo que o número de animais sacrificados, foi absurdamente pequeno. A maior parte dos animais foi abatida e comercializada, contribuindo substancialmente para o alastramento da doença. O que levou também a um aumento dramático da oferta e consequentemente preços extremamente baixos.
Mas isto tudo também gerou um fato novo, na China, e também no Vietnã, se aprendeu que se não houver contato entre animais ou elementos contaminados, a PSA não se propaga tão facilmente. Por exemplo, foi observado que em crechários construídos no sistema “all-in/all-out”, quando cuidados são tomados, a doença, apesar de matar praticamente 100% dos leitões em uma sala infectada, não era transmitida para as salas vizinhas, onde os animais permaneciam saudáveis e sem o vírus.
Desta forma se desenvolveu um sistema localmente chamado de “extração de dentes”, onde apenas animais com sintomas ou confirmados por PCR são eliminados. Se criou um protocolo novo, que é oficialmente aceito pelas autoridades locais. Este, não segue o padrão mundialmente aceito e recomendado pela OIE, que envolve eliminação total do rebanho (com destruição ou enterro das carcaças) seguido por desinfecção e vazio sanitário.
Há relatos de que eliminando entre 10 e 20% do rebanho tem sido possível manter a produção. Economicamente este modelo é muito mais vantajoso, mas não é difícil concluir que envolve maiores riscos, por exemplo, devido a uma eventual não eliminação de todos os animais portadores. Por outro lado, como dito anteriormente, quando granjas são acometidas pela nova variante do vírus este método deixa de ser aplicável, pois o patógeno se espalha com muito mais facilidade.
Vale lembrar que este método não é regulamentado na grande maioria dos países, além do risco de não ser totalmente eficaz, é ilegal.
Biossegurança
A implantação de severos protocolos de biossegurança tem permitido a produção, mesmo em ambientes rodeados de javalis e/ou granjas pouco tecnificadas, com a presença do vírus da PSA.
Um excelente exemplo pode ser encontrado na Rússia, que apesar de inúmeros focos espalhados pelo país conseguiu aumentar a produção suína, a ponto de chegar a auto suficiência e começar a exportar (neste caso, devido à presença do vírus, poucos países têm aceitado comprar da Rússia).
A complexidade das medidas de segurança não é baixa. Envolve cercas, controle de pragas, estrito controle de movimentação de pessoas e materiais, além de busca de áreas mais isoladas para construção de novos granjas. Apenas alguns exemplos: Na Rússia por lei toda a ração precisa passar por tratamento térmico para ser fornecida. Na Ucrânia, alguns produtores mantêm suas equipes de trabalho durante duas semanas alojadas na granja, sendo que depois os funcionários têm 2 semanas livres. Cercas duplas separadas por espaços “estéreis”, também têm sido empregadas.
Nos novos complexos chineses, além de modernos sistemas de biossegurança, as granjas têm sido construídas em regiões com menor densidade de suínos ou até mesmo em regiões remotas e em ilhas. Sistemas de transbordo que não permitem nenhum veículo externo chegar perto das granjas também são comuns e altamente recomendados.
Principalmente na China e Sudoeste Asiático, mudanças na nutrição também têm sido largamente empregadas. Estas, focam no fortalecimento do sistema imune e na minimização de desafios, sobretudo relacionados ao desmame.
Por outro lado, produtores tradicionais, pequenos ou que seguem padrão de criação “orgânica” estão completamente expostos ao vírus. Isto por não conseguirem ou não compreenderem a necessidade de implementação de medidas rígidas de biossegurança. Exemplo interessante é o da Polônia, onde a PSA segue se alastrando, mas muitos pequenos produtores ainda não se conscientizaram. Devido a isto, o governo passou a indenizar apenas produtores acometidos pela PSA que atendam às especificações mínimas de biossegurança definidas pelas autoridades.
Mais uma vez tomando o exemplo russo, mesmo granjas muito bem planejadas em relação à biossegurança não estão livres da PSA, pois nos últimos anos algumas destas granjas foram infectadas. Como a Rússia segue protocolos semelhantes aos da OIE, todos os animais foram eliminados, com enormes prejuízos.
A população de javalis na China também não é inexpressiva, além disto, tudo indica que pequenos produtores pouco tecnificados deverão permanecer na atividade em regiões mais remotas, o que dificultará a eliminação do vírus. Desta forma, fazendo um paralelo com a realidade russa, mesmo as novas e modernas granjas Chinesas não estão “imunes”. A técnica da “extração de dentes”, sem dúvida, poderá reduzir prejuízos, mas como vimos, não tem sido eficiente contra a nova variante. Isto com certeza, manterá elevado o grau de incerteza na atividade.
Considerações
Podemos dizer que a suinocultura mundial não está mais no “olho do furacão”, o pior já passou. Todavia isto é válido apenas numa esfera Global, não vale para países específicos ou para produtores individualmente.
Os principais países produtores que ainda permanecem livres de PSA têm uma produção suína muito mais desenvolvida. O desastre ocorrido na Ásia, com uma redução drástica da população suína, não se repetirá. No entanto, as perdas para os afetados ou para a rentabilidade do setor como um todo, especialmente nos países exportadores, serão mais do que consideráveis.
Hoje se conhece muito mais sobre a PSA, mas ainda estamos “cavando o poço”. O que temos de bom ainda não é suficiente para contrapor as dificuldades e riscos advindos do vírus. Na prática, atualmente apenas a biossegurança é o que funciona. Mas caso a barreira das fronteiras do país seja rompida, ainda há uma chance para restringir drasticamente os estragos, mas para isto ações extremamente rápidas e eficazes para conter um eventual foco devem ser tomadas, antes que a doença se espalhe entre animais selvagens e novas regiões.
Meu maior receio é a desinformação, não apenas em relação a não saber como evitar a doença, mas também de identificá-la. Também vejo grandes riscos de que alguns produtores, que ao perceberem que têm PSA, tentem se desfazer dos animais o mais rápido possível, para evitar prejuízos, como ocorreu na China, Vietnã, Filipinas etc. Na prática, foi isto que disseminou a doença tão rapidamente naquela região.
Uma possível forma de reduzir riscos seria criar e divulgar amplamente a existência de um fundo que garanta a confiança dos produtores de que serão bem ressarcidos ao informar imediatamente as autoridades em caso da menor suspeita de PSA.
Devido à grande população de javalis e às condições geopolíticas da região, vejo uma alta probabilidade da PSA se tornar endêmica na América Latina, como é na Rússia. É por isso que as medidas de segurança têm que funcionar, será muito mais barato manter o vírus fora do continente.
Lembrando que hoje a quantidade de animais e regiões afetadas é enorme, isto aumenta muito os riscos de contaminação de novos rebanhos. Com a redução de restrições a viagens, devido a melhor situação Global em relação à Covid 19, a circulação internacional de pessoas volta a aumentar, representando riscos adicionais.
Talvez não seja por acaso que o primeiro, (espero que único), foco de PSA nas Américas tenha sido na República Dominicana, que é um polo de atração turística internacional e com uma suinocultura significativa, porém na sua grande maioria de muito baixa tecnificação. Não é pequena a probabilidade de que um turista tenha trazido algum alimento contaminado, que deixado no hotel, acabou chegando a um pequeno produtor.
Algumas mudanças estão consolidadas, como redução drástica de pequenos produtores e fortalecimento de mega produtores. Muitos perderam muito dinheiro e outros ganharam. Mas muito ainda permanece como incógnita. Novos países serão atingidos? A compartimentalização será mais aceita? Os chineses “acertarão a mão” nos seus investimentos, tanto em quantidade como em modelo de produção? Como e quando os preços das carnes e grãos se ajustarão a nova realidade? …
Como no caso da Covid 19, a esperança é a vacina! Porém, no caso do PSA, infelizmente, não há nada de concreto até agora.
Por outro lado, como em toda crise, há perdas, mudanças, mas também oportunidades. É importante estar atento e tomar as medidas necessárias para garantir que, ao final, não só esteja entre os sobreviventes, mas entre aqueles que aproveitaram as oportunidades.
Material de Consulta
Além de minhas experiências a partir de visitas, conversas com produtores e colegas de trabalho, este texto contou com informações, dados e até alguns trechos de materiais publicados por diversas organizações e mídias especializadas que têm gerado uma enormidade de conteúdo de qualidade, que está à disposição de todos. Abaixo listo alguns sites para consulta.
ABPA (https://brasillivredepsa.com.br/)
ABPS/SBRAE (https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RN/Anexos/suinocultura-Prevencao-e-Controle-Pestes.pdf)
EMBRAPA (https://www.embrapa.br/suinos-e-aves/psa)
FEEDINFO (https://www.feedinfo.com/)
FEFANA (https://fefana.org/)
Genesus (World MEGA Producer 2021 booklet.pdf (mailsender05.com)
Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) (https://www.oie.int/en/disease/african-swine-fever/)
Pig Progress (https://www.pigprogress.net/Health/African-Swine-Fever/)
Successful Farming (https://www.agriculture.com/livestock/pork-powerhouses/105000-sows-stacked-six-stories-high)
Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/African_swine_fever_virus)
Referências Bibliográficas
TokarniaI, C.H., P.V.Peixoto, J. DöbereinerII, S. Sales de Barros, and , F. Riet-Correa. 2004. O surto de peste suína africana ocorrido em 1978 no município de Paracambi, Rio de Janeiro. Pesq. Vet. Bras. 24 (4)
Rowlands, R., V. Michaud, L. Heath, G. Hutchings, C. Oura, W. Vosloo, R. Dwarka, T. Onashvili, E. Albina, and L. K. Dixon. 2008. African Swine Fever Virus Isolate, Georgia, 2007. Emerg Infect Dis.; 14(12): 1870–1874