O benefício do uso de carboidrases demonstrado através de modelos matemáticos
Enzimas são um dos grupos de aditivos mais usados em nutrição animal, especialmente em dietas de monogástricos, tendo como principal objetivo aumentar a digestibilidade de frações de nutrientes em macro-ingredientes. Depois do grupo das fitases, as carbohidrases são a classe mais utilizada. Delas se espera um aumento na digestibilidade das frações glicídicas dos alimentos, em especial amido e polissacarídeos não-amiláceos, afetando principalmente o aproveitamento da energia. Entretanto, hoje é bastante bem documentado seu impacto positivo sobre o aproveitamento da fração proteica (Cowieson and Bedford, 2009). O aumento no aproveitamento desses nutrientes pode ser utilizado essencialmente para 2 funções: diminuir o custo de formulação e/ou melhorar a performance animal (fig. 1) sendo o objetivo final diminuir o custo de produção.
Assim como em outras classes de enzimas, nem todas as carbohidrases disponíveis comercialmente têm a mesma efetividade, assim como a mesma enzima tem sua efetividade variável em diferentes situações. Esta realidade traz aos nutricionistas diversas dúvidas sobre a tomada de decisão nesta área, em especial usar ou não, qual usar e que matriz nutricional utilizar. A decisão de uso é muito relacionada com a percepção da real efetividade e esta, de certa forma, é expressa na decisão da matriz nutricional a ser utilizada.
Provavelmente, o fator de maior influência na decisão da matriz nutricional de uma enzima vem das informações fornecidas pelo fabricante. A qualidade (e também a quantidade) da informação apresentada é fundamental no momento da tomada de decisão. Outros fatores que também são importantes são a experiência do nutricionista com o uso desses aditivos, comparativo com as propostas de outros fabricantes, sugestões de consultores, avaliações experimentais próprias, ingredientes utilizados, impacto no custo das rações, bem como outras percepções de qualidade (resistência a peletização, distribuição na ração etc.). Outro fator importante é se o profissional tem como característica ser mais conservador ou arrojado. Muitos nutricionistas preferem adotar matrizes nutricionais bastante mais conservadoras que as sugeridas pelos fabricantes. Uma das razões para isso é a visão de que se errar para mais na definição (níveis mais altos que o que realmente será liberado), prejudicará a performance animal, podendo vir a ser cobrado pela área de produção animal da empresa.
A razão básica por trás disso é que melhoria de performance e diminuição de custo de formulação competem entre si pelos nutrientes liberados pela enzima (fig. 2).
Imaginando uma situação hipotética onde uma carbohidrase libere 100 unidades de um nutriente, este valor pode ser usado integralmente para melhoria de performance (uso On Top da enzima) ou para diminuir ao máximo o custo da ração (formulando uma ração onde os macro-ingredientes contribuirão com X – 100 unidades, sendo X o teor daquele nutriente na ração formulada sem a enzima). Qualquer situação intermediária entre esses 2 extremos é possível, sendo necessário apenas variar a matriz da enzima entre o valor de zero e 100. Esta é exatamente a situação de nutricionistas mais conservadores que preferem formular com matrizes nutricionais mais baixas. Por outro lado, nutricionistas muito arrojados (ou mal informados) podem cometer o erro de super estimar o valor nutricional da enzima. Eles obterão uma redução maior do custo da ração, mas gerarão um déficit nutricional na ração o que leva a perda de performance (fig. 3). Nutricionistas tendem a evitar esse tipo de situação pois entendem que a perda de performance pode levar a maiores perdas econômicas que o ganho no custo da ração além de diminuir o risco de cobranças por parte da área de produção.
A decisão de ser mais conservador ou arrojado no momento da definição da matriz nutricional deveria ser uma decisão baseada, além de critérios técnico, também com a plena visão dos seus impactos econômicos para a empresa. Para isso, os impactos da variação da matriz nutricional sobre o custo da ração e sobre a performance devem ser bem entendidos. O impacto sobre o custo da ração dependerá principalmente dos preços dos ingredientes disponíveis e dos níveis nutricionais utilizados e pode ser determinado com precisão em qualquer software de formulação por mínimo custo.
O custo de alimentação ($/kg de peso vivo) pode ser calculado de forma simplificada pela multiplicação do custo médio (ponderado pelo consumo de cada ração) pela conversão alimentar ajustada para o mesmo peso de abate. Dessa forma, resta determinar o impacto da matriz nutricional usada na formulação sobre a conversão.
A fig. 4 mostra de forma esquemática como a variação da matriz nutricional da enzima afeta o custo de formulação, o custo da ração e o custo de alimentação animal. Neste exemplo, ser conservador na definição da matriz (níveis nutricionais mais baixos) leva a um aumento no custo da alimentação animal.
O impacto da variação do nível nutricional da ração (energia e aminoácidos) pode ser estimado com o uso de um modelo nutricional. Uma simulação foi feita usando o modelo de otimização econômica da produção de frangos TechBro FlexTM, desenvolvido pela empresa Cargill e com uso há vários anos em grandes empresas ao redor do mundo. Para este estudo, focamos apenas no impacto da variação de energia da ração sobre a conversão alimentar ajustada de frangos. Pressupondo uma carbohidrase que liberasse apenas uma quantidade X de quilocalorias, simulações foram feitas variando a energia da ração, o que é equivalente a usar diferentes valores de energia na matriz. Valores de zero a 100% da matriz determinada foram simulados. Para isso criamos um produtor com as seguintes características:
Abate: 200.000 aves/d
Peso: 3,2 kg
Conversão: 1,70
Custo médio da ração: 1.850 R$/ton (ração a base de milho, farelo e óleo de soja e preços de ingredientes de março/2021)
Para cada valor de energia o modelo calculou o impacto sobre o desempenho e custo da ração, gerando um valor de impacto na margem anual da empresa. Os resultados são mostrados na fig. 5. À medida que se aumentava o valor nutricional da enzima, a conversão piorava (1,671 até 1,712) e u custo da ração diminuía (de 1.904 até 1,818 R$/ton). O resultado foi um aumento na margem anual de cerca de 3 milhões com a matriz cheia.
Em resumo, a explosão nos preços dos ingredientes ao longo dos últimos anos levou a uma situação em que o excesso de conservadorismo por parte dos nutricionistas pode levar a perdas econômicas substanciais para as empresas de produção animal. Esta conclusão pode ser estendida para outras decisões como o uso de margens de segurança na formulação.
Um último esclarecimento: A conclusão deste exercício não foi que nutricionistas devem exagerar na definição das matrizes nutricionais de enzimas, dando-lhe valores acima do que elas realmente podem fornecer. O adequado julgamento técnico das informações disponíveis continua sendo a regra número 1. As principais empresas deste mercado geram uma grande quantidade de informações sobre seus produtos e este deve ser o ponto de partida para uma avaliação e decisão.