Conceitos para uma boa dieta de adaptação
A base do sistema de produção de bovinos de corte, no Brasil, é em pasto. Sendo assim, todo animal que chega ao confinamento já passou grande parte da sua vida com uma dieta basicamente composta por forragens, ocasionando, portanto, uma transição de consumo de uma dieta a base de pasto para uma dieta a base de carboidratos não fibrosos (CNF).
De acordo com levantamento realizado Silvestre e Millen (2021), 97,2% dos nutricionistas brasileiros utilizam de 71 a 90% de concentrado na matéria seca das dietas de animais confinados, atualmente. Dados do Benchmarking Cargill 2021 mostram que o uso de dietas sem alimentos volumosos vem aumentando significativamente nos últimos anos, já que 25% dos confinamentos entrevistados fazem uso da dieta Fast, isto é, sem volumosos ou com até 5% da matéria seca da dieta composta por estes ingredientes. Desta forma, podemos concluir que o desafio de transição pasto – confinamento pode se tornar ainda mais crítico com relação à saúde metabólica dos animais.
Para OWENS et al., (1998), o uso de dietas com maior inclusão de concentrados requer maior cautela, pois distúrbios como acidose, diarreia, timpanismo, abscessos hepáticos e laminite tornam-se mais comuns. Ou seja, o uso de dietas com maiores teores de ingredientes concentrados requer o uso de estratégias para prevenir transições abruptas, passando de dietas com altos teores de forragens para outras com níveis elevados de ingredientes concentrados com grandes proporções de CNF. Esse período de transição é considerado crítico e não deve ultrapassar 20% do tempo total de alimentação para os bovinos confinados (BROWN e MILLEN, 2009).
De acordo com Brown et al. (2006), bovinos Bos taurus em confinamentos americanos tiveram desempenho reduzido quando foram adaptados em período inferior ou igual a 14 dias. No Brasil, Parra et al. (2011) estudaram o efeito de protocolos de adaptação de 14 e 21 dias sobre as papilas ruminais de bovinos Nelore em confinamento, e relataram que animais submetidos ao protocolo de 21 dias apresentaram papilas com menor grau de lesão e com maior superfície de absorção em relação aos que foram expostos ao protocolo mais curto. Entretanto, Estevam et al. (2020) relataram que bovinos submetidos a dietas com alta inclusão de concentrado, na maior parte composta por grãos de milho seco moído fino, não tiveram impacto no desempenho quando adaptados por 14 dias em relação aos animais adaptados com 21 dias de confinamento. Tais resultados permitem inferir que, em algumas situações, é possível encurtar o período de adaptação sem que ocorram impactos negativos aos animais.
Para reduzir os impactos das mudanças de dieta, é importante avaliar cada situação e definir um protocolo com o período e o tipo de transição que será realizado para cada caso, sendo os seguintes protocolos os mais utilizados:
- Step-up: Protocolo de adaptação em escadas, no qual é formulada uma dieta inicial de adaptação e também são formuladas dietas intermediárias, com níveis crescentes de concentrado e decrescentes de volumosos, até chegar na terminação, com um número determinado de dias em cada fase;
- Restrição: Trabalha-se apenas com uma dieta de terminação, restringindo o consumo inicial dos animais e realizando um aumento gradativo no fornecimento, fornecendo níveis seguros de CNF;
- Adaptação convencional: Há apenas uma dieta de adaptação, utilizada por um período de dias pré-estabelecido ou de acordo com o consumo dos animais, e outra de terminação, havendo uma transição abrupta entre as dietas;
- “Blend” de duas dietas: São utilizadas apenas uma dieta de adaptação e outra de terminação, porém são criados os “steps” com o início de fornecimento gradativo da dieta de terminação, por dias pré-estabelecidos.
Além da transição do padrão alimentar dos animais, ocorre também uma série de fatores estressantes, aos animais como transporte, processamento dos animais, desidratação, esvaziamento do conteúdo ruminal, reagrupamento hierárquico, contato com novos patógenos, entre outros. Todos esses fatores impactam no bem-estar dos animais e afetam seu sistema imune, principalmente na fase inicial de confinamento. Dados internos da Cargill Nutrição Animal sobre morbidade por período de cocho mostram que, em confinamento comercial, foi observado que 37,07% e 33,92% dos animais foram tratados nos períodos de 0 a 10 dias e de 11 a 21 dias de confinamento, respectivamente, demonstrando a maior ocorrência na morbidade na fase inicial de confinamento.
Quando se fala sobre protocolo de adaptação, é necessário pensar em 3 frentes de atuação com relação ao animal, sendo estas:
- Mente: Fazer com que o animal inicie o consumo de ração o mais rápido possível, com o fornecimento de alimentos palatáveis e atrativos;
- Rúmen: Restabelecer a microbiota ruminal, preparando o rúmen para maior digestão de CNF e permitindo que ocorram mudanças da flora ruminal para melhor absorção e adaptação do rúmen, além de proporcionar o desenvolvimento das papilas ruminais;
- Tecidos: Repor o mais rapidamente possível as perdas de macrominerais, microminerais e vitaminas, eventualmente perdidos nos momentos de jejum e estresse, com o objetivo restabelecer o sistema imune o mais rápido possível.
Para atuar com sucesso nas três frentes, é muito importante definir um bom protocolo de adaptação, além de fornecer uma dieta inicial que favoreça o consumo de matéria seca, com a presença de ingredientes volumosos de boa aceitabilidade pelos animais. É necessário também favorecer o consumo de água, com o auxílio produtos que ajudem na reidratação e reestabelecimento da saúde como um todo, melhorando o consumo inicial de matéria seca e a retomada do peso, perdido devido ao estresse pré-confinamento. Recomenda-se também o uso de minerais e aditivos em níveis específicos, com o objetivo de maximizar e reestabelecer o mais rápido possível o sistema imune e ao mesmo tempo adaptar o rúmen para dietas com maior concentração de CNF.
É possível concluir que é importante avaliar, do ponto de vista técnico, todas as variáveis envolvidas na operação, para definir o melhor protocolo de recepção, adaptação e os produtos recomendados, com objetivo de reduzir o impacto da fase de adaptação, tão crítica aos animais, e assim obter um melhor resultado final dos animais confinados.
Referências
BROWN, et al. 2006. Adaptation of beef cattle to high concentrate diets: performance and ruminal metabolism. Journal of Animal Science, 84 (2006), pp. 25-33
BROWN, M. S.; MILLEN, D. D. Protocolos para adaptar bovinos confinados a dietas de alto concentrado. In: Anais do III Simpósio Internacional de Nutrição de Ruminantes: Recentes avanços na nutrição de bovinos confinados. Botucatu, São Paulo. p. 2-22. 2009.
OWENS, F. N. et al. Acidosis in cattle: a review. Journal of Animal Science, v. 76, n. 1, p. 275-286, 1998.
PARRA, F.S. et al. 2011. Effects of restricted versus conventional dietary adaption over periods of 14 and 21 days on rumen papillae of feedlot Nellore cattle. Journal of Animal Science, v.89, E-suppl. 1, p. 616, 2011.
SILVESTRE, A. M.; MILLEN, D. D. The 2019 Brazilian survey on nutritional practices provided by feedlot cattle consulting nutritionists. REVISTA BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, v. 50, p. e20200189, 2021.